quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Cadê a favela que tava ali?

É bem provável que boa parte dos turistas que vêm a Natal, não vêem as favelas que existem aos montes pela cidade. Não é à toa, em sua maioria elas estão bem escondidas, a ponto de muitos moradores da nossa linda e maquiada “Cidade do Sol” não saberem de sua existencia. Êpa, deixe-me corrigir, faz alguns anos que perdemos esse título para a capital cearense… Agora Natal estampa em uma placa tímida na BR 101 outro título: “Noiva do Sol”.
Bem, independente do que dizem as placas e os publicitários, pensar sobre a invisibilização das favelas e bairros de periferia em Natal me fez lembrar sobre como, nestes quase dezessete anos morando por aqui, ouço as pessoas se gabarem da bela e organizada entrada da cidade. Geralmente quem fala isso tem como referencial as incômodas imagens que nos recepcionam ao entrar na capital paraibana e, ainda mais, quando chegam ao Recife. É comum ouvir: “Afff, só tem favela”. Morei durante um ano em Recife e, apesar de ter adorado a experiência, tenho de concordar, a cidade parece nos abraçar com sua indisfarçada pobreza. Há poucos anos a Prefeitura do Recife tentou realocar os moradores da Favela do Coque, mas estes não aceitaram a oferta de “casas populares” afastadas do lugar onde moravam há anos, o que afetaria bastante as redes de solidariedade e estratégias de ação desenvolvidas em décadas de convivência.
Não saberei explicar detalhadamente os motivos de não ver tanta resistência (se é que se pode chamar assim) semelhante em nossa cidade. Talvez se dê, ao menos em parte, pelos tão diferentes processos históricos, sociais e culturais que deixaram marcas indeléveis na formação de natalenses e recifenses. Mas, com exceção de alguns representantes do Movimento Ocupa, podemos observar facilmente (quem quiser) um processo de invisibilização social e demonização desta pobreza indesejável aos olhos em nossa cidade. Evidentemente isto não é “privilégio” nosso, pode ser observada na maioria das grandes cidades ao redor do mundo.

No entanto gostaria de dar destaque para um caso bastante recente ocorrido em nossa cidade: o desaparecimento, quase que por mágica, da “Favela do Fio”, localizada na Avenida Mor Gouveia, próximo a Rodoviária… Aqueles que costumam vir seja de carro ou de ônibus, da Zona Norte da cidade pelo KM-06, em direção a Cidade Esperança, certamente passavam em frente a região. Pode-se se dizer que era a única das favelas natalenses que gozava de grande visibilidade.
Como passo semanalmente ali em frente, estava acostumado a ver naquele lugar um pequeno cenário, uma miniatura de qualquer grande favela, com seus esgotos a céu aberto, suas carroças de frete e crianças correndo descalças pelas vielas. Como antropólogo voltado para questões urbanas, mais especificamente para os efeitos da legitimação da pobreza em nosso país, sempre tive vontade de ir até ali. No entanto, se quiser conhecer a população residente, terei de primeiro investigar para onde ela foi realocada.
Não foi surpresa, apesar do choque, ter passado por ali a noite e ver ainda a favela, com seus barracos ainda fragilmente de pé e, no dia seguinte, encontrar apenas um cenário desertificado, apenas uma mistura de areia e lixo, únicos remanescentes, como que anunciando o desenraizamento das pessoas e casas dali . O que ocorreu? Mais uma ação bem sucedida da nossa atual prefeitura, que não diferente das outras, mostra seu empenho em tirar os “indesejáveis” das vistas dos “cidadãos de bem”, pessoas que produzem – “úteis” –, merecedoras do exercício da cidadania, compreendida aqui enquanto o usufruto dos direitos civis, políticos e sociais (mas que acima de qualquer coisa são “bons consumidores”). Estes, quando não desconhecidos, aparecem como completamente inatingíveis a maioria da população, especialmente aos grupos que ocupam os já referidos “lugares de relegação”, como chama o sociólogo Pierre Bourdieu, exemplificados aqui com a já extinta Favela do Fio, lugares abandonados pelo Estado em seu exercício de um “descaso planejado”.
Para esses grupos valem, cada vez mais, apenas os deveres do cidadão (vide como ouvimos falar em cidadania, principalmente, durante o período eleitoral, apenas quando a população mais miserável é chamada ao “exercício da cidadania” ou convidada a “festa da democracia”), conseqüentemente são eles quem mais sentem o peso do nosso pesado Código Penal.
Também não foi surpresa ouvir de outra aluna que teve “uma pontinha de alívio” quando viu que a favela não mais existia ali. Ela explica, meio sem graça, que tinha muito medo quando passava ali e via todas aquelas pessoas pedindo dinheiro nos carros em troca, ou não, de uma lavagem de pára-brisas… Tenho certeza que esse “alívio” não foi sentido só por ela… Pelo menos ela não exerceu, dessa vez, a hipocrisia social, presente no discurso politicamente correto, que sempre nos impele a não falar o que se pensa.
Lamentável, no entanto, perceber todo o ódio e preconceito de classe contido em seu discurso que, salvo as devidas proporções, faz coro com o discurso daqueles jovens que atearam fogo no índio Galdino: “Pensávamos que era apenas um mendigo”. No fim das contas tanto o comentário da minha caríssima discente como o desses distintos cavalheiros apontam para a mesma coisa: limpeza social.

sábado, 23 de outubro de 2010

O Cotidiano de Fred...

Aos olhares curiosos, e de certa forma treinados, certos lugares e/ou pessoas que passam despercebidos para a maioria chamam atenção de forma bastante peculiar. É um tanto obvio que não se pode estar sensível a tudo e a todos a todo instante, mas de acordo com a construção de cada sujeito, uns se encaixam naquilo que chamamos de “mais sensíveis” – Não creio que seja esse o meu caso, mas vez ou outra sou agraciado por uma experiência dessas, tão comum a outros.
Bem, num desses dias fui surpreendido por uma figura que muitos considerariam exótica, mas que, ao menos, no ambiente do alecrim – Aquele frenesi eterno - é curioso observar que tal figura já fulgura como parte do cenário. O ser observado – um ser humano sem duvidas- certamente se adéqua à idéia que temos do louco, aquele que parece fugir a Ordem social por motivos que vão da forma se portar em relação aos outros – muitas vezes como se estivesse só no mundo – até a idéia produtivista de inútil ou útil – O louco é um ser inútil, não vende sua força de trabalho....e todas essas idéias que a modernidade – seja lá como se defina isso – inventou.
Antes de qualquer coisa – para não ser tachado de mal educado – preciso apresentar-lhe o tal “louco”. Por não saber seu nome – Ainda não nos apresentamos formalmente – vou chamá-lo de Fred. Pois bem, nosso amigo é um homem alto, por volta de 1,87, cabelo sempre raspado, moreno claro (Não entendo bem essa classificação...Será cor de burro quando foge?). Certamente se encaixa no que chamamos de “porte atlético”. Pois bem, este ser vive à margem do nosso mundinho de tons cinzas – Mas que insistimos em pintar de rosa - , mora numa calçada, tendo, por isso, como despertador os pés dos que passam ao seu lado. As vezes penso: Será que já pisaram nele? Não sei, mas qualquer dia desses é bem capaz que isso ocorra. Também contribuem para o seu despertar os roncos desordenadamente orquestrados dos veículos automotivos que concorrem, também ali, pelo raríssimo espaço de locomoção e, muito mais, pelas vagas. Fred, ao acordar, geralmente, fica sentado, mergulhado em um mundo, para nós, intangível. Ele, ao contrário de outros seres humanos, não possui a ambição de ser um vegetal ambulante – Alimentar-se de luz – sente fome. Conclusão um tanto obvia, eu sei, mas que só pôde ser atestada quando presenciei como se dá o seu desjejum. Fred se dirige às lixeiras... É importante ressaltar que não se trata de qualquer lixeira, mas aquelas localizadas ao lado das bancas do lado do Teatro Sandowal Wanderley, onde são vendidos aqueles saborosos salgados lights ao preço simbólico de R$ 0,50. Ele encontra salgados “bons”, comidos apenas pela metade. Mas, como a maioria de nós, nosso protagonista não gosta de comer “no seco”... Por tanto pega sua garrafinha plástica, que, certamente, serviu para alguém tomar água mineral um dia – e vai juntando os restos dos refrigerantes nos copos jogados nas mesmas lixeiras...Chega a ser bonito o efeito causado pelas misturas de cores – refrigerante de uva + laranja + guaraná + cola = sei lá, nunca fui bom em misturas assim, mesmo(Sempre dava um jeito de enrolar nas aulas de arte, e quando não o fazia, sempre saía um desastre qualquer...) – ele pega somente o suficiente para encher a garrafa... Pronto! Está feito o seu café da manhã...Mas sua colheita matinal não pára por ai, Fred, como nós, também tem seus vícios...Com um saquinho transparente em mãos ele vai à caça das inúmeras, porém ignoradas, “píubas” de cigarro espalhadas pela rua, que conservam um “restinho” do fumo nicotinizado. Ele apenas desmembra-as e deposita o fumo para a confecção do seu cigarro. Aquilo que não nos serve muitas vezes é tratado como um prato cheio para outros – Vede como estão cheios os lixões por nós produzidos... Mas não reparemos nas moscas, mas nas pessoas que dali se alimentam.
Apesar de achar que sabia de muita coisa – Tola ilusão - sobre o que, até aqui foi falado...Fred me conduziu a algumas reflexões . Ele é “o louco” por comer, beber e fumar o que não queremos...Agimos com asco, nojo e indiferença com ele e com suas atitudes “sebosas”. Aqueles – Eu, você (nós?)... - que se auto-reconhecem e são reconhecidos como civilizados – Como se tal coisa existisse – jogam todas as coisas fora e não se incomodam por um semelhante que dorme pelas ruas (E mesmo de lá tentamos enxotá-los com uma arquitetura sem coberturas, ou que mais parecem bunkers, para que não tenham como se refugiar das chuvas e do frio -, “Que se danem”, é o que dizemos). No fim das contas, tudo isso, e muito mais, me leva a seguinte pergunta: Fred é louco. E nós o que somos? Nos matamos todos os dias, pisamos uns nos outros e justificamos isso com a nossa busca por felicidade...Os governos mundiais - para justificar seus interesses econômicos – falam em busca por paz e se empenham em guerrear com os demais. E a esse derramamento de sangue desenfreado se dizem guiados por Deus – Lamentável...Tudo isso me parece um circo dos horrores, onde as atitudes de Fred parecem as mais lúcidas...Diante disso sou obrigado a sentir uma certa inveja dele...Porque se ser civilizado é isso...viver em prol de um produtivismo desenfreado, cultuando o cronos, e matando gente que nem conheço, seja com violência física ou simbólica, o melhor é ser louco...De repente não como Fred, mas como aquele que se livra das correntes e volta para contar aos amigos que todos, inclusive ele, viviam um falso real, viviam em meio às sombras... Carecemos – Nós, a humanidade – de uma loucura que faça sentido em meio a tanta razão sem sentido...

segunda-feira, 15 de março de 2010

Ainda sobre cotas... Respondendo aos amigos e colegas...

Em meio aos belos discursos dos colegas sociólogos atrevo-me a adentrar tal salva, provocado pela miríade de discussões... uma verdadeiro "jogo de cava-lheiros"... Apensa tenho medo com certo essencialismo presente em alguns dis-cursos que envolvem esse tipo de mídia eletrônica... E deparo-me com o que Bourdieu dizia sobre não se poder pensar na urgência... Também nao vejo pro-blemas em se sair do foco proposto por determinado autor, como bem destacou David, e penso que Cadu e Flaubert caíram, com sua trocas de "tapas com luva de pelica" numa tentativa de ver quem gritava mais alto... Atitude infantil, espe-cialmente vindo de dois caras tão maduros intelectualmente, pelo menos compa-rados com uma maioria de nosso colegas de profissão... Mas adentremos ao de-bate...


A exemplo de Flaubert,concordando com David sobre a urgência do assunto, quero pensar sobre as cotas para negros, pretos, afro-alguma coisa... Aprovei-tando que sou, segundo Edmilson - em sua leitura de Atlântico Negro - um "ne-gro sem etnicidade", quero listar um pouco de como tem se dado essa discus-são... De um lado estão aqueles que são contra a política de cotas, ressaltando pontos como os listados no Folhetim de Ali Kamell - "Querem nos transformar em uma nação bicolor", do outro parecem estar os que advogam o tema das cotas falando de uma estaparfúdia "divida histórica", até pq como bem rebateu Marcos Nobre, o Brasil teria de pagar sua divida com todos...

Sou defensor da política de cotas "raciais" não por qq divida... mas como uma ferramenta emergencial e necessária... Penso que exista um caráter mt mais sim-bólico do que econômico e social... Sendo um negro sem etnicidade não repre-sento a maior parte das pessoas que se identificam com essa categoria política - q de acordo com o (s) movimento (s) negro (s)teria sido a união dos "pretos" e da estranha e "tipicamente brasileira" categoria dos "pardos" já que as semelhanças socioeconômicas dos dois grupos justificaria tal estratégia... Fico com os contrastes visuais q me deparo, por exemplo, quando adentro o ameaçado de ex-tinção RU da UFRN, sem me preocupar em classificar uma escala de cores... percebo que a maioria de negros (moreninhos como gosta de chamar a maioria natalense) são os africanos, filhos das classes altas de seus países (pelo menos em sua maioria)... Entrarão os pretos de classe média? Devem ser muitos para que isso aconteça, não? O problema brasileiro sem duvidas está na naturalização de uma desigualdade social que não se limita a cor da pele, mas será muita ingenui-dade acreditar q este fator - Sim, a cor - n influencie em maiores dificuldades, maiores barreiras impostas por estigmas sociais q nos aparecem "inocentemente" em piadas e apelidos...

Isto nao cria estratégias de deslegitimação moral que desencadeiam em disposi-ções que nao se coadunam com as exigidas por uma perspectiva de sucesso? A preconceito "racial" não é potencializado pela pobreza social? O preto pobre não será estigmatizado mesmo dentro de seu bairro, que na maioria das vezes será de classes populares? Ora, o caráter das cotas deve ser temporário, e me parece ser esta a proposta... Dirão que as cotas "raciais" apenas reforçam os estimas de in-capacidade... Já perguntaram o que pensam os que se auto-identificam negros? Já se pensou o que significa do ponto de vista simbólico ter alguém da família adentrando uma universidade? Isto nao mudará nada? Talvez esteja enganado, sendo ingênuo ou tendo a profundidade de um pires... Mas penso que o caráter necessariamente transitório que devem representar as cotas não serve p a idiotice teórica de se pagar qq divida do passado... Mas por 'tratar desigualmente os de-siguais', e nessa cruel pirâmide de nosso "país bizarro" os pretos me parecem na rebeira... Diga-se de passagem expressões populares como "amanhã é dia de branco" qd mts se referem que o dia seguinte é o dia de trabalhar, de "pegar no batente"... Isso n tem impacto sobre uma maioria de supostos vagabundos, ne-gros pobres? Tal visão cristalizada, entranhada na forma de se ver o mundo nao irá reforçar as desvantagens de nossa desigualdade social... OU isso ou vamos voltar a defender a meritocracia...
Saudações...